Amigas que ensinam

A Suzana é mega viajante, já fez o Caminho de Santiago 7 vezes (isso mesmo, sete!), ela fala 4 idiomas e já conhece acho que metade deste mundão. Foi graças a ela que entrei no Couchsurfing, aprendi a dormir na casa de estranhos e a conhecer gente de culturas tão diferentes da minha.

– Suz, mas como assim vou dormir na casa de alguém que eu nunca vi na vida?

– Ué, vai sem problema. Você primeiro tem que ver se essa pessoa tem referências positivas no site e depois vai escolhendo por interesses em comum. É quase uma questão de feeling.

– Ok, mas e quando eu for hospedar algum desconhecido na minha casa, como eu sei se essa pessoa não vai roubar alguma coisa?

– Ai, Lucila, desapega! Eu pensava exatamente a mesma coisa até que um dia eu hospedei uma couchsurfer da Bulgária e tive que ir trabalhar. Quando voltei pra casa ela já tinha ido embora. Abri a porta e encontrei um bilhetinho de agradecimento e uma flor na entrada do meu apartamento. Eu tava cheia de receio quando entrei em casa, mas quando vi o bilhetinho isso me ensinou a confiar ainda mais nas pessoas.

Graças a todos os conselhos da Suzana, eu criei coragem e fiz o meu perfil no Couchsurfing. A primeira vez que dormi na casa de um estranho foi em 2009, em Nova York. Desde então, o Paul que me recebeu na sua casa no Brooklyn é meu amigo até hoje.

Animação 100%
Viajante de carteirinha, com a Suzana não tinha tempo ruim e convite que ela não aceitasse. A gente se conheceu em Madri e essa mulher tava sempre fazendo alguma coisa.

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Uma festa de Carnaval em Madri

– Hoje vai ter um piquenique com o pessoal no Retiro, vamos? Amanhã tem festa a fantasia de Carnaval e no fim de semana vamos dançar salsa, vai agendando!

Com a Suzana fizemos uma viagem pra Ibiza que foi ótima. Aliás, essa foi a única vez que visitei essas belas praias.

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Eu, a Suz, a Sandrine e a Ceci em Ibiza

Também fomos para as Ilhas Cies, um paraíso espanhol que todo mundo deveria conhecer um dia. Um lugar incrível onde só é possível acampar e curtir a natureza em estado puro.

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Ao lado da Suz fiz uma das minhas maiores loucuras. Bom, na verdade quase fiz! Fomos com um grupo de amigos num fim de semana fazer puenting (tipo bunjeejump, mas pulando de uma ponte).

Era um grupo de 30 pessoas e a a Suzana foi uma das primeiras a pular. E olha que ela estava com o braço quebrado!! Na minha vez, fiquei 10 minutos ali pendurada, mas não tive coragem e acabei desistindo. ¨Não tem problema, Lucila, na próxima você pula¨, ela me disse logo.

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Depois disso fiquei dois dias com o corpo todo dolorido. É que a tensão foi tão grande antes de pular que a adrenalina ficou toda ali presa porque eu não consegui liberar no pulo! Até hoje ainda tenho essa ¨dívida¨ comigo mesma de fazer um bungeejump. Só não sei se vou ter coragem.

Coragem é uma palavra que sempre fez parte do vocabulário da Suzana. Um dia ela me contou que tinha tido câncer, mas que já estava recuperada.

Não deixe nada para amanhã, era seu lema interno! Uma frase que parecia que a Suz levava, literalmente, ao pé da letra. Não tinha festa que ela deixasse de ir, viagem que ela negasse ou encontro no qual ela não estivesse.

Agora que penso ainda mais na Suz, uma das coisas mais bonitas que aprendi com ela foi a acrescentar, a compartilhar e a não ter medo de dividir. A Suz sempre te apresentava alguém legal. Graças a ela fiz muitos amigos em Madri que guardo até hoje.  

Galera do Couchsurfing de Madri
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A Suz estava sempre rodeada de amigos

Com tanto amor pelas viagens, a Suz também decidiu abrir um blog, o That Good Trip, e ali foi escrevendo sobre todos os lugares que conheceu. Essa mulher foi até a Lapônia só pra cuidar de renas!

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No seu blog ela compartilhou centenas de dicas e posts sobre o Caminho de Santiago e tantas outras viagens que fez.

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A Suzana também fez parte do Caminho de Santiago com seus pais

Depois de alguns anos, o câncer voltou e lá foi a Suzana de novo experimentar um novo tratamento, quimio, operações e visitas frequentes ao hospital. Era sua subida ao Everest, como ela gostava de chamar essa ¨batalha¨ pessoal que tinha que enfrentar.

Tento lembrar e faço esforço, mas não consigo pensar em uma vez, nem sequer uma, que eu tenha ouvido ela reclamar de dor, cansaço ou se vitimizar de alguma maneira.

– Suz, como você tá hoje?

– Ah, tô bem. Estou provando um remédio novo e estou me sentindo melhor. Semana que vem estou indo pra Paris que vai ter um encontro de blogueiros, no mês que vem vou fazer o Caminho de Santiago de novo e no fim do ano vou pra….

Eita mulher que amava viajar!

O melhor companheiro
Há 4 anos, o Jose (um espanhol que ela conheceu nas redes sociais) virou seu melhor amigo, seu amor e seu companheiro incondicional. Esses dois estavam sempre viajando, se divertindo e passeando pelo mundo.

O Jose cruzou o Oceano Atlântico pela primeira vez pra conhecer Curitiba (a nossa terrinha) e as belas praias do nosso país. Acho que ele gostou tanto que voltou duas vezes pra cá.

Ele foi tão parceiro que até na aula de bolo ele ia junto com a Suz. Da última vez que a gente se encontrou em Madri, enquanto estávamos caminhando pela Gran Via, perguntei porque ela tinha se apaixonado pelo Jose? E a sua resposta foi muito simples: eu encontrei alguém que me disse sim e que sempre estava disponível para se juntar aos meus planos. Com ele não tem tempo ruim.

Naquele momento eu não sabia, mas hoje eu sei que isso também é amor!

A Suzana amava tanto Madri, a cultura espanhola e era tão ativa que criou um tour de churros! Isso mesmo. Essa chica brasileira levava turistas para provar e catar chocolate quente e churros pelas churrerias madrilenhas. E olha que ela fez o maior sucesso com essa proposta!

Reencontros e despedidas
Eu já não moro em Madri desde 2011, mas a nossa amizade só cresceu desde então. Nos reencontramos em São Paulo, em Curitiba, Lisboa, Londres, na Ilha do Mel (meu lugar favorito no mundo)…

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Curtindo a Ilha do Mel com a minha super amiga viajante

E ano passado tive a sorte de ter encontrado com a Suz em 3 países diferentes: em julho nos vimos em Londres e em Portugal e em outubro de novo em Madri!

O nosso último encontro foi regado a churros e chocolate quente, é óbvio. Pela primeira vez durante estes 13 anos, eu vi a Suz um pouco mais fraquinha. Mas ela era o otimismo em pessoa e sempre te dava esperanças de que tudo ia ficar bem!

O fim do ano chegou e minha grande amiga disse que não queria fazer muitos planos pra viajar e que também não queria planejar nada a longo prazo.

Dia 31 de dezembro veio e como todos os anos, ela seguiu à risca a sua superstição de dar uma volta na quadra com uma mala para viajar muito no próximo ano! Aliás, foi dela que aprendi essa tradição.

Os meses foram passando e a Suzana e o Jose decidiram que queriam se casar. Os dois trocaram alianças no meio de uma pandemia em um dia quente em Madri e celebraram bem ao modo Suz de ser: com simplicidade, muito entendimento e alegria de sobra.

SuzanaeJose

No começo de junho a Suzana embarcou para Curitiba em um voo de repatriação porque tinha uma chance de começar um novo tratamento. Ela passou 28 dias ao lado da sua família, aproveitando cada segundo, sendo muito amada e comendo tudo o que tinha saudade.

– Lucila, me passa o telefone dessa pessoa que faz aquele brigadeiro com morango que você postou outro dia que tô morrendo de vontade.

– Passo sim, Suz. Aliás, quando você estiver mais descansada, me avisa pra gente ir comer um pastel lá na feirinha…

Foram 28 dias onde ela se reconectou com a sua origem, com o amor da sua família e com a terrinha. Eu adorava chamar a Suz de ¨pacotinho¨ porque o sobrenome dela é Paquete e essa palavra em espanhol significa pacote. Então eu sempre dizia: Pacotinho de mi corazón, cómo estás…

Essa guerreira não se rendeu nem no pior momento. Na última mensagem de áudio que ela chamava carinhosamente de ¨onconews¨, a Suz disse que tinha sido internada só para umas checagens e que no fim de semana já estaria em casa de novo.

Agora quando penso nisso, ela poderia ter sido a mais pessimista do mundo e teria todo o direito de reclamar do que quisesse, mas sabe o que ela falou sobre o hospital? ¨Menina, olha só, a comida daqui é ótima!¨

No dia 28 de junho, um domingo de manhã, eu perdi uma das minhas melhores amigas. A Suz partiu para uma viagem em outra dimensão. A minha dor é enorme e a saudade que sinto da nossa amizade é maior ainda, mas sabe por que o sentimento que prefiro guardar é o da gratidão?

Porque graças a você, Suz, eu aprendi a amar ainda mais viajar, a ser mais sociável, a ser mais positiva, a compartilhar meus amigos e a viver a vida, literalmente, como se não houvesse amanhã.

Amiga, obrigada por tanto!! Vai em paz que nós aqui seguiremos todos os teus ensinamentos. Voa, passarinha!!

A gente curtindo o calor de Lisboa

A professora de canto e amiga da Suz, Vanessa Borhagian, fez uma homenagem linda pra ela. Compôs uma canção e pediu para que a gente gravasse uma parte. Fez uma mixagem incrível e aqui está esse presente. Som na caixa, Pacotito!!

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2 Comments

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  1. says: Lucila

    Obrigada pelas tuas palavras, Andrea! Exatamente como você descreveu, essa era a Suz!! Um abração.

  2. says: Andrea

    Lindo lindo!! Essa era.nossa amiga Suz, leve, otimista e guerreira, nunca deixou a peteca cair!! Um exemplo de saber viver. ❤ pra sempre no nosso coração ?