Amo ouvir histórias de aventura. Eu tenho um amigo que adora grandes desafios e uma vez ele me contou que escalou nada menos do que o Aconcágua. O Paul White é americano e mora no Chile há mais de 10 anos. O mocinho já subiu várias montanhas, mas um dos seus maiores desafios era alcançar o topo da montanha mais alta das Américas, que tem 6.962 metros.
“Eu adoro a beleza e a solidão das altas montanhas, assim como o desafio de vivenciar esse tipo de experiência. Sempre pensei que só podia subir o Aconcágua quem era escalador profissional, mas quando fiquei sabendo que existiam outras trilhas não técnicas, essa virou a minha meta”, conta o aventureiro. Eu achei a sua experiência tão bacana e emocionante que quero compartilhar aqui com essa entrevista.
Com vocês, as aventuras de tirar o fôlego deste cara que conseguiu vencer a falta de oxigênio, que teve que fazer cocô dentro sacolas plásticas, que superou todos os seus limites, perseguiu seu sonho e virou um feliz andinista!!
– Como foi a preparação pra subir o Aconcágua?
Sempre tive bom preparo físico. Costumo correr e fazer caminhadas regularmente, mas pra subir o Aconcágua treinei intensamente durante 3 meses. Eu treinava 2 horas por dia, ia pra academia 5 vezes por semana e uma vez na semana escalava alguma montanha perto de Santiago.
– O que você levou na mochila? Que coisas eram imprescindíveis?
Para escalar uma montanha dessas é preciso levar uma boa mochila que tenha espaço pra carregar muitos equipamentos. Além disso, o mais importante é ter uma mochila muito confortável e botas bem quentes. Toda a roupa que a gente leva é sintética. O algodão é péssimo pra esses casos, porque quando suamos ele não seca facilmente e isso pode causar hipotermia, quando a temperatura do corpo cai abaixo do normal.
– Você subiu com um grupo? Contratou o serviço de alguma empresa?
Eu fiz parte de um grupo de 7 escaladores. Não tinha mulheres na nossa equipe, mas durante o percurso encontrei algumas montanhistas subindo também. Contratamos os serviços da Inka Expeditions, uma empresa argentina. Além dos guias, eles organizam a comida, o combustível e toda a logística, como a permissão pra entrar no parque, transporte e as mulas que levam o material até o campo base.
– Existem várias rotas?
Sim, são 33. Elas se dividem em técnicas e não técnicas, há vários níveis de dificuldade. Para subir pelas rotas técnicas é preciso usar cordas e outros equipamentos pra cruzar glaciares, rochas e gelo. A gente escalou a mais longa não técnica, mas essa rota é a que tem uma das melhores vistas. A mais curta e mais utilizada é a que passa pela Plaza de Mulas. Também há outras rotas bem perigosas e difíceis, como a Polonesa e a face Sul.
– Quando você chegou no parque do Aconcágua, como foi o processo de aclimatação?
A expedição durou 14 dias; 12 de escalada e 2 de descida. A gente demorou um mais do que muitas pessoas porque escolhemos subir por uma rota pouco utilizada, o Valle de Vacas. A subida leva muito mais tempo do que a descida por conta da aclimatação. Por exemplo, no começo subimos desde Plaza Argentina (campo base) até o Campo 1 só pra deixar comida e equipamentos, depois descimos e ficamos um dia sem nos mover. Somente no outro dia é que subimos novamente até o Campo 1.
– Como foi a subida, o que você pensava durante esses dias?
Primeiramente, pra subir uma montanha como o Aconcágua é preciso trabalho em conjunto. A gente compartilha barraca, comida e as responsabilidades logísticas, além de dar suporte moral uns aos outros. Durante a subida tive que enfrentar momentos onde eu não conseguia colocar um pé na frente do outro. Nesses momentos a minha força estava sendo testada. O segredo é focar nas metas a curto prazo. Por exemplo, eu costumava marcar mentalmente um pequeno trecho a minha frente e dizia pra mim mesmo: “Vá até lá e não se preocupe com o que virá depois”. Essa foi a forma que encontrei pra dividir em inúmeros pequenos desafios o que poderia ser algo impossível de alcançar.
Além disso, aproveitei muito as vistas lá de cima. Acho que essa é uma das maiores satisfações da expedição, aproveitar a tranquilidade de um lugar tão remoto como esse. Vi paisagens tão maravilhosas que fizeram valer qualquer esforço.
– Durante a expedição, como você fez pra tomar banho ou se limpar?
Não tem chuveiros na alta montanha. Eu consegui me manter relativamente limpo durante os primeiros dias, usando um paninho com água do rio. Quanto mais alto você sobe, mais frio vai ficando e fica cada vez mais desconfortável usar a água do rio. No campo base a gente usou um balde de água quente (no sexto dia da expedição), lembro que tomei banho com sabonete e shampoo.
Quando estamos em altitude, fazer qualquer coisa é muito cansativo e a nossa prioridade não é o banho. As roupas ficam sujas e não tem nada que a gente possa fazer. O mais importante é manter as primeiras camadas, as que estão em contato com o corpo, limpas. Sempre que possível, eu lavava minhas meias e cuecas com água do rio. E uma coisa que eu fiz todos os dias foi escovar os dentes!
– Como vocês faziam pra fazer necessidades no meio dessa altitude e frio?
Escalar raramente é algo confortável, principalmente em condições extremas. Como o Aconcágua está permanentemente com neve a partir do Campo 1, nessas condições as fezes não se biodegradam. Para reduzir o impacto ambiental, a gente teve que fazer cocô numa sacola plástica e carregar conosco dentro de um tubo de PVC.
A parte ruim era quando a gente tinha que abrir o tubo, cheirava muito mal e no fim da expedição foi ficando cada vez pior. Outra coisa diferente era uma garrafa pra fazer xixi dentro da barraca. Durante a noite, sair do saco de dormir pode ser exaustivo e mega frio. Então, alguns preferiam fazer xixi dentro da barraca mesmo. Pras mulheres tem um funil especial. Eu tentei uma vez e não curti, então o jeito era sair da barraca e fazer correndo. Mas se o tempo está realmente muito ruim, você não tem alternativa.
– Quais foram os momentos mais difíceis?
O principal obstáculo é a altitude. O corpo começa a não funcionar corretamente quando falta oxigênio. Os piores momentos foram quando eu senti tonturas, dores de cabeça e falta de apetite. Nos piores casos, algumas pessoas podem chegar a ter edemas pulmonares ou cerebrais, que podem matar. Isso acontece quando o escalador sobe mais rápido do que o seu corpo é capaz de se aclimatar.
Me senti muito mal quando fomos do campo base ao Campo 1. Precisei de ajuda para montar a barraca e até mesmo pra tomar água. Os guias levam aparelhos que medem o nível de oxigênio no sangue, e eu estava totalmente no mínimo. Mas, por sorte, eu dormi durante 12 horas e no dia seguinte eu já estava melhor. Não super bem, mas já me sentia melhor pra continuar. Esse foi o maior desafio físico que enfrentei até hoje.
– Em algum momento você pensou em desistir?
Sim, pensei. Essa experiência é como um jogo da mente, é uma questão de força mental. Você atinge aquilo que pensa que é o seu limite, e depois vê que é capaz de superá-los.
– O que vocês comiam durante a escalada?
A comida de montanha é muito básica e está preparada para minimizar peso e maximizar energia e proteina. A gente carregava muita comida seca (macarrão, arroz e couscous), frutos secos, queijo e carne curada. Pra cozinhar com essa altitude é preciso muito gás, por isso esses são os melhores alimentos. É engraçado como a altitude afeta o seu apetite. É uma sensação muito estranha porque o corpo começa a ficar exausto e sem energia e você não sente fome. É aí que entra a disciplina e o treinamento, você tem que se forçar a comer, mesmo estando sem fome.
Porém, beber água é ainda mais importante do que comer. Nessas condições climáticas é preciso beber ao redor de 5 litros por dia para aliviar os efeitos da desidratação e da falta de oxigênio. Parte do gás que levamos era pra derreter o gelo pra gente beber.
– Como vocês faziam pra dormir? Quantas camadas de roupa você chegou a usar?
A gente dormia em barracas especiais pra aguentar temperaturas que chegavam a – 15ºC. Nessa temperatura a água congela, então a gente precisava deixar uma garrafa dentro do saco de dormir. Comecei a expedição usando bermuda e camiseta de manga curta e no dia em que alcançamos o cume, usei tudo o que tinha; 5 camadas de roupa na parte de cima, 3 para as pernas, gorro, balaclava, dois pares de luvas e botas com crampões para a neve.
– Como foi o caminho que vocês escolheram, tiveram que usar muito material especial?
Tirando poucos trechos, a maior parte do trajeto foi sem neve. Só tivemos que usar crampões e machadinhas para o gelo no dia em que alcançamos o cume do Aconcágua.
– Como foi chegar ao topo, o que você sentiu? Em algum momento você pensou que não ia conseguir chegar?
Em algumas partes, quando o céu ficava cheio de nuvens, não dava pra ver o topo e isso era ruim. Mas de repente o tempo limpou e a gente conseguiu ver que estávamos bem perto do cume, isso nos ajudou a chegar até lá. Foi incrível! Alcançar o topo é a culminação de meses de planejamento, treinamento e da exigência de todos os seus limites. A gente chegou ao cume às 13h45 e tivemos uma boa vista quase sem nuvens. O nosso grupo celebrou essa conquista com muitos abraços e fotos. Também agradeci pelo bom tempo e por não termos passado por maiores dificuldades, acho que tivemos muita sorte. A gente só ficou lá em cima por 30 minutos, porque a descida é longa e a chance do tempo virar é maior durante a tarde.
– O grupo inteiro chegou ao cume?
Todo o nosso grupo chegou, algo que não é comum. Geralmente, somente a metade consegue subir até o topo do Aconcágua. Lembro que foi muito difícil e acredito que parte dessa conquista a gente deve aos guias, que foram os que nos motivaram até o fim.
– Como foi a descida?
A gente desceu em um só dia desde o campo mais alto até a Plaza de Mulas. É engraçado porque passamos pelos mesmos lugares que antes nos levaram uma semana pra subir. Enquanto vamos descendo, o efeito da altitude se reverte e você começa a se sentir forte e cheio de energia, como um superman! Aliás, quando chegamos ao acampamento base eu sentia uma fome de leão. Os guias prepararam pizza e brindamos com champagne. Nunca comi com tanta vontade!
– Qual é o teu próximo desafio?
Quero subir o Ojos del Salado, o vulcão mais alto do mundo, que tem 6,893 metros. Essa montanha é apenas 69 metros menor do que o Aconcágua, mas a subida é muito mais fácil e rápida. Dá pra chegar de carro até o refúgio Atacama, a 5.200 metros, e em dois dias dá pra chegar ao cume. Quero fazer isso com um pequeno grupo de amigos e sem guia.
Detalhe para leigos, como eu, conversando com o Paul aprendi que andinista são as pessoas que escalam montanhas nos Andes, assim como alpinistas são os que sobem os Alpes. Ele escalou o Aconcágua em fevereiro de 2006.
Mais informações
A temporada pra subir o Aconcágua vai de novembro a março. Todos os anos algumas pessoas acabam perdendo a vida na tentativa de alcançar o topo dessa montanha, a mais alta das Américas. Por isso, todo mundo só pode subir com guias. Além disso, é preciso pagar uma taxa pra entrar no parque e pra escalar a montanha. O Aconcágua está a 190 km da cidade argentina de Mendoza. Para mais detalhes, acesse a web do Parque Aconcágua, http://www.aconcagua.mendoza.gov.ar
*Todas as fotos deste post são do Paul White.
Legal, Natalie.
Abraços!!
Oi, Lucila. Tudo bem? 🙂
Seu post foi selecionado para a #Viajosfera, do Viaje na Viagem.
Dá uma olhada em http://www.viajenaviagem.com
Até mais,
Natalie – Boia