As duas perguntas que mais escuto por aqui:
– Por que você mora na Argentina se tem um país tão lindo como o Brasil?
– Me podés explicar qué hacés acá? Ustedes tienen playas maravillosas.
Realmente com todos esses argumentos fica difícil convencer os argentinos de que eu moro aqui porque gosto, é uma questão de escolha. Bom, na verdade, é algo mais do que isso.
Desde que me conheço por gente sempre passei férias aqui em Buenos Aires. Meus pais são argentinos, moram no Brasil, e todos os anos a gente vinha pra cá com a família passar férias. Lembro de acordar de madrugada, empacotar uns sanduíches em Curitiba e partir para uma aventura de 24 horas dentro da super Belina verde que o meu pai tinha, como essa da foto.
Eu passava muito tempo brincando com meu irmão pra ver quem encontrava mais animais na estrada, ou que cor de carro passava mais de cada lado. Olhava como a minha mãe colocava água quente na cuia e passava o chimarrão para o meu pai, enquanto ele dirigia. Adorava o momento de parar pra comprar frutas em Uruguaiana, flores e café pra minha avó. Aos poucos, o carro ia ficando lotado.
Gostava de viajar de noite e ficar deitada na parte de trás do carro pra olhar a lua. Pensava na imensidão do mundo e acho que desde então comecei a ter esta alma de viajante. Apreciava essa sensação de mudar de rotina, de conhecer outras coisas, sentir cheiros diferentes e rever velhos amigos.
Depois de muitas horas dentro do carro, muitas mesmo, de perguntar mil vezes pro meu pai se ainda faltava muito, de pequenas discussões com meus irmãos, finalmente eu me emocionava cada vez que avistava as luzes da cidade grande e aquela ponte iluminada que me dizia que estávamos entrando em Buenos Aires.
Estacionar na rua Marcelo T. de Alvear, cumprimentar o porteiro Jose que sempre estava com o bigode aparado, abrir a porta daquele elevador antigo com grades, tocar a campainha do 5B e receber o abraço da minha avó na porta, pra mim, é uma das melhores boas-vindas que alguém pode receber.
O cheiro da casa dela era bom. Era tão legal ver os brinquedos que ficaram um ano guardados no armário à espera de ver a luz de novo. E a vitrola de 1700 e bolinha que ficava no escritório era a minha grande companheira de todas as tardes. Adorava colocar o disco de vinil da Maria Elena Walsh e cantar “Manuelita”, uma, cinco, mil vezes, sem cansar.
Descer os cinco andares do prédio pra comprar facturas (doces típicos daqui) na padaria ao lado era um ritual de quase todos os dias, assim como sentar no colo da minha avó e pedir pra ela cantar: “ico ico caballito vamos a Belén, que mañana hay fiesta y pasado también”.
A medida que fui crescendo, os passeios por Buenos Aires foram mudando. Tomar sorvete de sambayón com a minha mãe era um dos maiores presentes que eu poderia receber. E acho que é assim até hoje. Rever meus primos e amigos depois de um ano sem se falar (naquela época não tinha e-mail ou whatsapp), era uma alegria e tanto.
Além de Buenos Aires, minhas férias quase sempre se dividiam entre a capital portenha e a cidade de Córdoba. Minha mãe é cordobesa e tenho ótimas amigas lá. Aliás, elas são filhas das amigas de infância da minha mãe. Literalmente, a nossa amizade passou de mãe pra filha.
Em Córdoba a gente passava o verão nas serras, jogava baralho até o dia amanhecer, tomava banho de rio e eu aproveitava para atualizar minhas amigas sobre o novo menino por quem eu tinha me apaixonado na escola naquele ano.
Acho que a gente só entende a dimensão desses pequenos momentos depois que passa muito tempo, né? Essa amizade verdadeira, despreocupada, leve, que hoje muitas vezes sinto dificuldade em encontrar.
Como vocês podem ver, a minha relação com a Argentina sempre foi muito forte. Depois de ter morado na Europa por quase 10 anos, decidi que era hora de cumprir outro sonho antigo, ficar um tempo com a minha Bubu, apelido da minha avó, em Buenos Aires. Mesmo porque eu não sabia quanto tempo mais ela iria viver. Vim pra cá em 2011, quando ela tinha 105. Não é mentira não, 105 anos, gente!!
Durante esses lindos dois anos jogamos muito baralho, fizemos palavras cruzadas, cozinhamos scones (seu doce favorito), levei ela pra passear de cadeira de rodas na praça, tomamos vários sorvetes juntas.
Tivemos centenas de conversas intermináveis onde eu sempre tentava explicar por que eu moro em tantos lugares diferentes ou o porquê de eu não ter casado cedo, como a maioria das minhas amigas.
Aliás, essa é a grande preocupação da Bubu. Eu insisto em dizer que estou bem assim e que hoje em dia casamento não é salvação de nada, mas ela não consegue ou não quer entender. É, vó, os tempos são outros…
Durante estes dois anos tive a felicidade de ouvir muitas histórias que ela me contou. Adoro os detalhes de como ela conheceu seu marido na cidade de Tandil.
Uma época na qual eles só se viam uma vez ao mês e olha lá. Das férias que ela passava na fazenda dos pais brincando com seus 8 irmãos. Adorava ouvir ela me contar a história de quando fez algo super ousado: ficou um pouco ¨bebum¨ depois que comeu muito chocolate com licor de cereja. E olha que a mãe dela costumava esconder o chocolate embaixo da cama, hein?
Histórias que preencheram minhas tardes e a de várias amigas que vinham nos visitar só pra ouvir minha vó contar algo sobre o seu passado. E depois que cada amiga ia embora, a Bubu perguntava sempre a mesma coisa: “Che, tu amiga es casada”? E então eu ficava aliviada ao perceber que a neura de ter que casar não era só comigo.
Enquanto escrevo este texto, olho pela janela da casa dela e gosto de ver os mesmos edifícios e as mesmas árvores que eu apreciava quando tinha 9 anos e escrevia meus diários. Gosto de encontrar as mesmas facturas na mesma padaria e de saborear o mesmo sorvete cada vez que a minha mãe vem pra cá.
Estou feliz por ter vindo pra Buenos Aires enquanto a minha vó estava bem e por ter compartilhado tantas coisas com ela novamente. Ela está prestes a fazer 107 anos, a sua cabeça já não está 100%, mas ainda dá para curtir esses momentos onde a gente senta só para olhar fotografias antigas.
Sempre vou guardar comigo a receita de longevidade da minha Bubu. Quando alguém perguntava como ela fez para viver tantos anos e com tanta saúde, a Bubu sempre respondia a mesma coisa: o segredo está em ter um bom casamento e comer pouco!
Eu tenho uma relação profunda com a minha avó e com Buenos Aires e é por tudo isso que eu decidi vim morar aqui. Ainda não sei por quanto tempo será. Sempre tem alguém que me faz essa pergunta, mas eu não tenho essa resposta…e talvez nunca a tenha.
Update
Depois de fazer 107 anos e um mês, a minha vozinha partiu… e agora o céu ganhou uma nova estrela de olhos azuis e uma senhora muito paciente.
Já faz oito anos que vim morar em Buenos Aires. Aqui eu aprendi a gostar de tomar mate cocido (chá de chimarrão), a comer empanada na hora do almoço, a colocar dulce de leche na banana, a passear pelos parques nos fins de semana, entre tantas outras coisas. Tem vezes que me sinto quase uma argentina e em muitas ocasiões me sinto mega brasileira. Varia o dia e o meu humor.
Estou triste pela partida da minha Bubu, mas entendo que esse seja o processo natural da vida e que ela aproveitou 107 lindos anos aqui. Sei que com o tempo só ficarão os bons momentos que compartilhamos e que lá de cima ela continua olhando por toda a minha família.
Volta e meia gosto de reler este post e às vezes acrescento alguma frase nova. Se a minha história da relação com a minha avó fez você lembrar de alguém que é muito especial pra você e que pelo motivo que for faz tempo que vocês não se encontram, não perca mais nenhum minuto: ligue para essa pessoa, conversem.
A vida passa muito depressa. Na minha opinião, o que realmente importa são as relações que temos, os bons momentos compartilhados e a vontade de manter o coração sempre cheio de boas lembranças!
Oi, Dalva. Obrigada 🙂 fico muito feliz. Um abraço!!
Amei! Linda a sua história de vida.
Ah, guria querida. Obrigada pelo carinho de sempre e por ler o Viagem Cult!! Beijos e abraços.
Somos feitas de histórias, Lucilitcha. Obrigada por compartilhar essa sua. É um prazer caminhar ao seu lado nessa grande viagem chamada vida. Te quiero amiga! ❤️
Muuuuito obrigada, Portela. Que legal saber que o blog voltou a nos reencontrar, mesmo que seja virtualmente. Sempre lembro dos bons momentos que dividimos na época do escotismo, e tenha certeza que aprendi muito com você. Apareça sempre para saber das novidades “viajantes”. Um abração!!
Nossa Lucila!!! Quanto tempo NAO te vejo!!! E te encontrei agora neste seu breve relato que me tocou profundamente….. Que bela mulher voce se tornou!!! Um coracao enorme que vive feliz e despedaçado, com uma partinha em cada lugar por onde passou….senti isso!!! NAO imagina como fiquei feliz com tua sensibilidade transmitida nestas poucas palavras…. Que lindo!!! Que linda tua vo!!! Que lindas voces duas!!! Que vida interessante se tornou a sua!!! Mulher que parece saber degustar a vida…. Quantas experiências estao dentro da sua alma!!! Quantas saudades devem viver escondidas dentro do teu coracao …. Se tornou forte …. se tornou rica …. Uma mulher do mundo …. Quantos lugares e quantas pessoas cabem dentro do teu coracao? … Saudades ….e muito feliz por te ver feliz. Gosto muito de voce. Um beijo com carinho.
Portela
Que Deus te proteja sempre por onde voce andar !
Obrigada, Túlio! Abraços pra vc.
Emocionante história! Imagino que pessoa fantástica ela deve ter sido. Fuerza pra vc!
Exatamente, guri. Gracias. Que bom que vc gostou. Vamos ver em que país a gente se encontra na próxima, né? Besos!
Que historia bacana, senhorita!!
Mas q coisas q nao se explicam mesmo nem com as melhores das explicacoes. Rs Parabens por ter decidido viver esse sonho em B Aires, por ter decidido curtir a sua avo. E o Brasil estara sempre aqui, a Espanha sempre la e por ai vai. Rs bj
Vos, Mia, Ceci, todas solteras y amigas de Lucila… con razón mi abuela está preocupada, no? Y espero que sigamos conociendo B. Aires mucho más, Gise. Besos
Buenísimo, ya hablaremos de esos viajes en auto entonces. Y vos me contarás los de ustedes a dedo 😉 Beijos y andá a ver a tu abue, che!!
Obrigada, Cla, pelo carinho e pelas palavras. É bem isso, nada como seguir os nossos sonhos. Besos
Lu, admiro muito você pela coragem de seguir seu coração, isso não tem preço, não tem boom brasileiro (cá entre nós, eu nem acredito nele) que valha isso. Muitas felicidades e muitos anos de vida para sua Bubu. Beijo enorme
🙂 Qué hermoso post Lu! Me hiciste emocionar (y fue un tirón de orejas porque mi abuela vive a 10 cuadras y hace semanas que no la veo).Cuando te conozca no te voy a preguntar por qué no vivis en Brasil, porque veo que tenes buenos motivos. Y tus viajes en auto me hicieron acordar a los míos: mi papá es un fanático de Brasil y nos íbamos todos los veranos en auto…un viaje de aquellos! Qué lindos recuerdos!
Adorei! Que lindo post!!!! Así que la Bubu preguntó si estaba casada? jaja
Que bueno es haberla conocido y compartir la ciudad con vos… Te quiero!
Gracias, Silvi. Nada como los buenos amigos que están siempre cerca. Ya extraño nuestras carteadas hasta las mil y una en Córdoba. Beijos
Gracias, Lauro. Bom, e vc que conhece a Bubu pessoalmente, sabe de muitas histórias em primeira mão. Abraços!
Obrigada, Carol. Muita gente gostou da história. Fico feliz. Bjs
Oi, Lu,
É sempre uma delícia ler as suas histórias, mas esta é muito especial e emocionante. Amei!!
Lucila que linda mensagem voce fez para nossa querida bubu.Parabens por este teu gesto altruistico.Abraço Lauro
No me gustó, me encantó amiga!!!! Expresado muy de adentro, este relato habla de vos más allá de los motivos por los cuales te viniste a vivir a nuestra jungla. Esa es mi amiga Lucila, una sentimental, querendona por naturaleza (aunque aveces disfrazada de rambo, nos quiere vender lo contrario jajaja) El mejor ejemplo de que la amistad verdadera no tiene fronteras!!! Somos dos locas con muy buena memoria y siempre disfrutamos recordar viejas historias… casi siempre divertidas! Te quiero amiga! Silvi
Obrigada, Ana. Gracias por pasar por el blog!! Beijos
Que escrito tan sentido. Un placer leerlo.
Guria, vc sempre tão perto mesmo estando longe. Com certeza a Julia tmb vai ter uma relação linda a com a tua mamy´s. Beijos
Obrigada, Aninha. Vc sempre tão querida. Besos muchos
Adorei ler sobre suas lembranças e sua vontade de revivê-las, como está fazendo, Lucila! Vc está escrevendo uma história linda com sua vida! Beijos.
Luzinha,Voce encheu meus olhos de lagrimas. Que lindo texto e que grande amor e homenagem a tua avo e tua Mamis!Por um instante achei que a tua avo tivesse falecido. Normalmente, as pessoas prestam homenagens postumas. Mais um motivo para ter certeza de que voce nao e’ um ser comum… Que alegria saber que ela continua ai com voce!Grandes memorias e excelente resposta. Prometo que nao pergunto mais…:-)) hehehePensei na Julia…adoraria que ela tivesse este especial relacionamento com a minha mae tb. Beijos enormes!! Best,Nadia C. Candeo “The whole problem with the world is that fools and fanatics are always so certain of themselves, and wiser people so full of doubts.” Bertrand Russell
Date: Mon, 3 Jun 2013 14:00:08 +0000 To: nadiacionek@hotmail.com
Opa! O próximo sorvete já nos espera! Besos, mami.
Qué bueno que te gustó, Sexy. Vos que tanto me conocés…Beijos!
Qué lindo homenaje! Me gustó mucho, es muy tierno y creo que pudiste hacer un balance interesante más que responder las preguntas que te hacemos.
Qué tal si nos vamos a tomar un helado de sambayón ahora?
besos amor me emocioné!
muy lindo!
Ana
Obrigada, Dani!!
É verdade, Catarina. Besos!!
Que lindo texto, amiga!!! E que delícia ter sua abuela ainda com vocês!
Gostei muito!