Feliciano dos Santos, o visionário do Niassa

Personagens de Moçambique

feliciano dos santos massukos

Se tivesse que defini-lo em poucas palavras, diria que é um líder nato, polivalente, muito tranquilo, intuitivo e feliz. Feliciano dos Santos me abriu não só as portas da ONG Estamos, que ele dirige, mas também me deixou entrar em sua casa e conhecer sua família. Além de fazer o voluntariado na Estamos, aqui em Lichinga, também moro na casa do Santos, com sua esposa Berta, seus cinco filhos e seus três sobrinhos. Uma experiência que tem me enriquecido muito.

O Feliciano, mais conhecido como Santos, já fez de tudo nesta vida; foi pintor, radialista, DJ, autodidata, ativista, apresentador de TV, pai full-time, diretor, cantor, consultor, e se duvidar, ainda esqueci de mais algumas coisas. Atualmente, ele é diretor da Estamos, e junto com o carismático Simão, são os líderes da banda Massukos, um dos grupos musicais mais famosos da província do Niassa.

Além de boa música, os Massukos fazem um trabalho de conscientização social; eles têm várias canções sobre higiêne pessoal e saneamento básico. O grupo costuma fazer shows para a população de baixa renda, pessoas que raramente têm a oportunidade de assistir um concerto ao vivo. Eu já presenciei o delírio de muitos fãs quando os Massukos sobem no palco.

Por causa desse trabalho social, Santos já recebeu vários prêmios, entre eles o Goldman Prize, em 2008, e Exploradores Sociais, da National Geographic.

Ele já teve várias oportunidades para mudar de cidade e até mesmo de país, mas o amor pela sua terra, pela sua família e a vontade de que as coisas mudem, o faz escolher uma e outra vez viver aqui.

E parece que os moradores de Lichinga reconhecem isso. O celular do Santos nunca fica mudo por mais de 10 minutos. Sempre tem alguém ligando para pedir ajuda, opinião, conselho ou um favor.

O Niassa é uma das províncias mais esquecidas e menos desenvolvidas de Moçambique, mas graças ao trabalho de pessoas como o Santos, aos poucos, a região está conseguindo evoluir e sua voz começa a ser ouvida em Moçambique.

Tenho aprendido mais durante estes meses de voluntariado aqui do que em vários anos trabalhando como jornalista em outros lugares. Aprendi que é muito melhor começar as manhãs com uma boa gargalhada; o Santos implementou que antes das reuniões, cada dia uma pessoa pode contar uma piada. Me dei conta de que ando aumentando meu repertório e de que iniciar as manhãs com uma boa sorrisa, tem feito meu dia começar melhor.

estamos lichinga
Este é o pessoal que trabalha na Estamos, em Lichinga.

Além de ter aprendido com o Santos que um pouco de diplomacia sempre ajuda, também aprendi que não importa o teu cargo na empresa, qualquer ideia é sempre bem-vinda, tudo soma. Na verdade, eu já sabia disso, mas aqui pude sentir isso na prática. Já trabalhei em lugares onde era vetado que os funcionários pudessem pensar ou argumentar, e nas poucas vezes que isso acontecia, era o chefe quem levava os louros. Algo inaceitável nos dias de hoje, mas olha que isso aconteceu há não muito tempo.

Bom, aqui no escritório quase todos os dias o pessoal se reúne logo cedo para dizer como estão seus projetos, as dificuldades que vão encontrando e o que vem pela frente. É comum ver o Santos discutindo orçamentos, prioridades, instigando os que chegaram há pouco e aceitando críticas e sugestões de todos. Para mim, uma lição de democracia, de instituição horizontal e de valorização de seus funcionários. Não é à toa que a Estamos já tem 14 anos de estrada e muito reconhecimento, em um país onde ONG´s aparecem e desaparecem num piscar de olhos.

É raríssimo ver o Santos de mau humor. Aliás, a única vez que o vi, acho que durou cino minutos. Perguntei qual era a receita para manter sempre esse astral, essa calma e um super pique, e a sua resposta foi: “Lucila, a vida é curta e suficientemente complicada, se levarmos tudo ao pé da letra o tempo todo, vamos morrer antes do tempo. A vida é muito boa para perdermos tempo com tantas besteiras. Eu quero mesmo é viver mais 40, 60, 90 anos”.

santos massukos

Meu voluntariado está quase chegando ao fim, algo que já começa a me dar aperto no coração por causa dos amigos que vou deixar aqui, mas além de tudo o que vi, vivenciei e aprendi, vou levar comigo uma das frases preferidas do Santos: “Life…life is good, life is sweet”.

Se quiser conhecer um pouco mais sobre outras pessoas interessantes da série Personagens de Moçambique:
– Irmã Ferreira, uma senhora muito porreira
– O fotógrafo do Jardim Tunduro

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12 Comments

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  1. says: Mariana

    Obrigada Lucila, vou ler as matérias indicadas, e qualquer duvida entro em contato com você novamente.

  2. says: Lucila

    Oi Mariana. Que ótimo que você também queira fazer um voluntariado em Moçambique. É realmente uma experiência para a vida toda. Me diga quais são as suas dúvidas e vou tentar te ajudar no que for possível. Enquanto isso, você também pode dar uma lida nestes posts que falam sobre voluntariado e se precisar pode deixar algum comentário ali. Abração!!https://viagemcult.com/2013/08/12/voluntariado-turismo/
    https://viagemcult.com/2013/08/21/como-viajar-e-fazer-voluntariado/
    https://viagemcult.com/2013/02/27/que-vacinas-tomar-antes-de-ir-pra-africa-vale-a-pena-tomar-remedio-contra-malaria/

  3. says: Mariana

    Oii Lucila, tenho muito interesse em ir para Moçambique e fazer trabalho voluntário, inclusive entrei em contato com o Feliciano, mas estou completamente perdida, você poderia me ajudar? Em relação a custos, moradia, alimentação? Tenho 26 anos moro com meus pais ainda e eles estão com medo dessa ideia por conta das doenças e epidemias na África, tenho mostrador seu blog para eles, pra dar uma tranquilizada. Muito bom seu blog estou amando todas as histórias e cada vez mais empolgada e com vontade de ir.

  4. says: Rodolfo lemos

    eu sempre adimirei o charisma deste grande homem.k tanto luta pra vr niassa no augi do desenvolvimento,forxa ai mano.

  5. says: Lucila

    Olá, Marisa
    Sim, o Feliciano é uma pessoa e tanto. Conheci seu trabalho em Moçambique, onde fiz um voluntariado na ONG Estamos, e todo o esforço que ele faz para ajudar o Niassa. Não entendi se vc quer o email dele ou quer trocar uma ideia comigo? De qualq. maneira, meu email é lucila@mochilacult.com
    Abraços

  6. says: Marisa

    Parabéns, acabo de conhecer parte da historia desse exemplo de homem atraves d um documentario no canal futura! Parabens! Sou med veterinaria, brasileira e estou indo morar no continente africano para um projeto de um ano, pretendo ir a mocambique e ajudar na ONG, tenho alguns outros projetos. Poderiam me passar um contato, email para conversarmos melhor.
    Obrigada
    Parabens

  7. Viva. Parabéns e muita força na leitura e apreciação do carácter deste grande homem. Um exemplo de homem batalhador, criativo, persistente e inovador. Um amigo, uma família. Cumprimentos ao meu ídolo. I am proud of you – Feliciano dos Santos Calisto.

  8. says: Nelson Angelo

    Gostei muito da apresentacao. Pois em Mocaçbique a cultura pressupoe que so se reconhece e valoriza as pessoas e seus feitos quando ja nao estao entre nós.

    Kambwiri, merece.

    Tx Lucilia

    Rgds to Dear Santos.

  9. says: Sandra

    Que lindo! Estava mesmo sentindo falta de você contar um pouco mais sobre esse personagem maravilhoso de Moçambique, que é o Feliciano dos Santos.