Há muito tempo eu tinha vontade de sair da frente do computador e colocar a mão na massa. Já não queria mais só ser só uma ativista de sofá e uma das coisas que mais desejava era fazer um voluntariado em um campo de refugiados. Queria muito presenciar, conhecer e ajudar de perto os imigrantes que estão passando por essa terrível situação.
Além de ser blogueira, também sou jornalista. Eu consegui juntar minhas duas paixões no voluntariado que fiz em agosto de 2017 na ilha grega de Chios, no campo de refugiados de Souda. Como já contei em outro post, tive essa experiência através da Ong Drop in The Ocean e, além de trabalhar como voluntária também escrevi uma matéria para o jornal O Globo sobre a triste situação dos refugiados.
Durante essas duas semanas aprendi muito, sofri, presenciei momentos tentos, senti tristeza, impotência (muita), mas também conheci pessoas que me deram esperança e me ensinaram o que realmente significa resiliência!!
¨Só preciso de uma oportunidade, só uma!¨, com o olhar no mar, me disse Abed no primeiro dia que a gente se encontrou no campo. Esse jovem alto e simpático está na Grécia há quase um ano. Ele deixou atrás a Palestina para emprender uma longa viagem: viveu ilegalmente no Egito e Turquia durante dois meses até juntar dinheiro para poder cruzar de barco até a costa grega.
Abed, Abdullah, Ahmed e tantos outros são algumas das pessoas que conheci e das histórias que ouvi em primeira pessoa na Grécia. Neste post quero compartilhar um pouco do meu trabalho jornalístico e dar dicas para quem quiser escrever sobre isso, diretamente de um campo de refugiados. Espero que seja útil.
1. Usar as redes sociais
Durante o voluntariado, enquanto os dias passavam e eu ouvia cada vez mais histórias difíceis dos refugiados, sentia que tudo isso não podia ficar só dentro de mim. Então comecei pela parte mais fácil, escrevi no meu Facebook pequenas histórias que me contavam. Eu sentia a necessidade de que mais gente tinha que ser testemunha do que está acontecendo na Grécia e em outros países da Europa.
Com o hashtag #WelcomeRefugees, todos os dias eu escrevia uma história diferente. Contei como uma caixa de mate, que levei na minha mochila, conseguiu ¨transportar¨ o Abdullah até a Síria por algunos instantes. Enquanto bebíamos mate dividindo uma xícara, ele me contava como gostava de se juntar com os seus familiares no seu país para fazer a mesma coisa. Triste, Abdullah lembrou que gostava de beber mate com a sua esposa, que estava grávida e morreu em um bombardeio na cidade de Homs.
Meus amigos e contatos também se emocionarom quando Abed, que saiu da Palestina há quase um ano, me disse que a vida é simples, muito simples e que a única coisa que ele precisa agora é de uma oportunidade em outro país.
Todos os dias quando voltava do campo de refugiados para o quarto que tinha alugado, eu sentia uma necessidade enorme de compartilhar e contar o que eu escutava. Essa foi uma das maneiras que encontrei de levar essas duras realidades até as pessoas que estão confortavelmente sentadas em suas casas.
2. Contatos são muito importantes
Durante essas duas semanas que passei em Chios, um dia conversei com Ahmed que saiu do Afeganistão com a sua esposa e quatro filhos fugindo dos talibãs e agora me perguntava onde podia conseguir um carrinho de bebê, desses que algumas ONGs distribuíam quando chegava dinheiro de doações.
Comecei a investigar um pouco e nesse dia me disseram que já não havia mais carrinhos para entregar porque o dinheiro tinha acabado. Primero fiquei mal com essa situação, mas depois pensei que eu tinha que fazer alguma coisa.
Que tal se em vez de só escrever histórias no Facebook eu também começo a pedir doações para os meus contatos pela internet? Contei sobre a angústia do Ahmed e falei sobre a sua necessidade.
Graças à velocidade que a informação é viralizada e à solidariedade das pessoas, em poucos dias consegui juntar 200 euros de conhecidos que me enviaram através do Paypal. Esse dinheiro deu para comprar cinco carrinhos. Não é muito, mas tudo ajuda!
Tudo o que você precisa saber para ser voluntário em campo de refugiados.
3. Convencer fontes oficiais
Depois disso, eu continuava achando que mais gente precisava saber o que essas pessoas estavam passando e meu lado de jornalista começou a aparecer ainda mais forte. Foi então que escrevi para alguns contatos de jornais que tenho oferecendo uma matéria sobre a situação dos refugiados nessa ilha grega e o jornal O Globo aprovou.
Enquanto escrevia a matéria e entrevistava as fontes no campo, me deparei com uma dificuldade grande: as pessoas que trabalhavam para as grandes agências humanitárias ou ONGs, muitas vezes falavam sobre a difícil situação dos refugiados, sobre a burocracia do governo local, mas não queriam que os seus nomes aparecessem na matéria e algumas vezes algumas pessoas nem quiseram falar comigo quando eu contava que estava escrevendo para um jornal.
Então percebi que quando eu precisava de uma estatística, um número ¨oficial¨ de alguma organização ou agência humanitária, tinha que falar com pessoas que estavam sentadas em seus escritóros na Suíça ou em outros países, pessoas que não estavam literalmente com as mãos na massa.
Para que isso não aconteça, é importante explicar e tentar convencer a fonte (o entrevistado) da importância de poder contar com a sua história, nome e sobrenome, para dar mais peso e veracidade à matéria.
4. Preservar a fonte
O mais contraditório dessa situação foi que todos os refugiados com quem eu falei e contei que estava escrevendo a matéria, não tiveram nenhum problema em que eu escrevesse seus nomes e sobrenomes. Justamente eles que são a parte mais vulnerável da história.
Por isso, meu conselho para preservar uma fonte que está em uma situação de vulnerabilidade, como é a dos refugiados, é mudar seus nomes nos textos ou não colocar seus sobrenomes. Além disso, só tirar fotos com autorização deles, depois de explicar onde o material será publicado.
Outra opção é tirar as fotos em algum contexto onde seja possível identificar que estão em um campo de refugiados, mas que o entrevistado (no caso que um refugiado que não queira mostrar o seu rosto) seja fotografado de costas ou de uma maneira que não possa ser identificado. Esses detalhes são muito importantes para preservar a fonte, principalmente quando eles ainda estão esperando uma resposta do governo local sobre o seu pedido de permanência no país.
5. Saber ouvir
Durante esses dias na ilha grega, como jornalista tentei guardar na mente cada uma dessas histórias pessoais de sofrimento para que não caiam no esquecimento.
Como voluntária no campo ajudei na distribuição das refeições, servi água fria de tarde, brincamos com jogos de mesa, aprendi a dizer as cores em árabe, danças diferentes, vi o sorriso de um refugiado quando escolhia uma camiseta nova na loja da ONG e mais do que nada ouvi muito.
Doar o tempo também significa saber ouvir as pessoas que mais precisam ser escutadas e entendidas, porque talvez essa seja uma das poucas oportunidades que os refugiados tenham de sentir que fazem parte de alguma coisa.