Ano passado resolvi fazer uma viagem diferente, provei um pouco de turismo crítico na Sicília e adorei a experiência. Neste post vou contar como um grupo de jovens está revolucionando a luta contra a máfia, e como aos poucos eles começam a fazer barulho na região.
Cansados das mesmas atitudes de sempre e da passividade da população, Edoardo, Francesca e Dario criaram o grupo “Pizzo Free” em Palermo. Com determinação, na cara e na coragem esses jovens montaram um circuito turístico “contra a máfia”. Pizzo, em italiano, é o nome dá extorsão mensal que a máfia exige dos comerciantes. Algo que de tão antigo virou comum e às vezes até mesmo inquestionável entre a população.
Essa região é altamente conhecida por ser o berço de um dos maiores cânceres sociais do país, algo que não é motivo de orgulho para a maioria dos moradores. Diversas organizações mafiosas operam na Itália. Entre as mais conhecidas estão a Ndrangheta, da província de Reggio Calabria; a Camorra, de Nápoles; e a Cosa Nostra, da Sicília.
O circuito “Pizzo Free” é para aqueles que buscam uma viagem diferente, querem conhecer um lugar extraordinário e de quebra contribuir com uma causa social. Os viajantes que participam das atividades têm a chance de conhecer a cidade e seus arredores de uma maneira diferente, divertida e didática.
Em Palermo, o ponto de partida do tour é na Piazza della Memória. Esse local virou uma praça em homenagem aos vários juízes e magistrados italianos que foram assassinados pela Cosa Nostra, enquanto investigavam casos da máfia.
Depois é a vez de visitar um dos mercados mais antigos da cidade, o Capo. Frutas, verduras, peixes, temperos e muita gente se misturam com as histórias interessantes que os fundadores da agência vão contando. “Essa é a Sicília que nós queremos mostrar. Iniciativas como esta servem para dar esperança às novas gerações. Acredito que as coisas podem mudar, se realmente houver vontade para isso”, diz Edoardo Zaffuto, de 36 anos, um dos fundadores da agência “Pizzo Free”.
Não muito longe dali, está a questura (centro de polícia), outro lugar de parada obrigatória. “Lembro do dia em que prenderam Domenico Raccuglia, o número dois da Cosa Nostra, ele era um dos mafiosos mais procurados do país. Milhares de adultos, jovens e crianças se juntaram aqui na frente para vê-lo de perto e com os próprios olhos. Foi um dia emocionante”, relembra Edoardo.
Comida típica
Depois de algumas horas de caminhada pelo bonito e pitoresco centro, a fome começa a bater e para isso nada melhor do que provar a comida local. Na capital siciliana as pessoas costumam comer do lado de fora dos restaurantes, nas feiras e em pequenas barracas que preparam a comida na rua mesmo.
Entre as especialidades locais, o arancini (uma espécie de bolinho de arroz e coxinha, recheado com carne e ervilhas), anelletti al forno (macarrão em forma de círculo misturado com carne, molho de tomate, ervilha e muito queijo), sfincione (um tipo de pizza com queijo e anchovas e uma cobertura especial), panelle e crocchè (uma massa fininha frita feita de grão-de-bico e batata).
Mas é bom deixar um espaço para as sobremesas. É um pecado visitar a Sicília e não experimentar o doce mais famoso da ilha, o cannoli. Feito com uma massa frita em forma de tubo, recheado com ricota fresca e saborosa, esse doce é realmente uma iguaria imperdível.
Um restaurante típico de Palermo é a Antica Focacceria San Francesco. Além de ser famoso pela comida que serve, o lugar também é um comércio engajado na luta antimáfia. É ali que o grupo do pizzo-free faz uma parada estratégica para almoçar. Edoardo contou que o dono desse restaurante foi um dos primeiros comerciantes da cidade que enfrentou as ameaças da máfia e não pagou o pizzo.
Comércio ético
Além da agência, outra organização que luta contra esse tipo de crime organizado é a ONG Associação Pizzo Free. Um grupo que reúne centenas de comerciantes que se negam a serem extorquidos pela máfia. “No início eram poucos e as pessoas tinham receio de participar. Mas graças ao nosso trabalho e a vontade popular, hoje contamos com mais de 500 empresas associadas”, explica Francesca Vaninni, de 31 anos, outra fundadora do Pizzo Free.
Esses comércios exibem um adesivo na vitrine, que os identifica como participantes do projeto. Por isso, quem participa do turismo pizzo free come, se hospeda e visita os locais que fazem parte dessa iniciativa.
Cinematografia
Para quem se interessou pelo assunto, além do ultra conhecido “O Poderoso Chefão”, há centenas de outros filmes que abordam a temática da máfia na Itália. Um dos mais recentes e de muito sucesso é “Gomorra”, baseado no livro de mesmo nome do jornalista italiano Roberto Saviano.
Outra boa dica é o longa “I cento passi” (Os Cem Passos). Aliás, um dos tours promovidos pelo grupo é visitar a pequena cidade de Cinisi, onde esse filme foi rodado. Ali também é possível conhecer e conversar com o irmão de Giuseppe “Pepino” Impastato, em quem o longa é baseado. O cativante filme conta a história desse ativista que pagou com a vida a sua luta contra a máfia. Eu estive nessa pequena cidade e dá para sentir que os moradores estão cansados dessa mazela e realmente querem fazer algo para se livrar da máfia.
Terminei esse tour contente e pensativa: quem sabe se iniciativas como essas, não ajudam a que esse problema tão arraigado culturalmente na sociedade italiana, não esteja com seus dias contados.
Se o assunto te interessou, veja no site do “Pizzo Free” quando eles fazem os próximos tours.