Quero voltar à Síria

As belas rodas de água de Hamra
As belas rodas d´ água de Hamra

Faz dias que a ideia de escrever um post sobre a Síria anda rondando pela minha cabeça. Não, eu não acabei de voltar de lá agora. Eu conheci esse lindo país em 2009 e essa foi uma das melhores viagens que já fiz.

Enquanto várias nações decidem de que lado ficar nessa triste e insana guerra, a Síria vai sendo destruída cada vez mais, e milhares de pessoas são obrigadas a abandonar suas casas e virar refugiados em países vizinhos. Sem falar das inúmeras vidas que já se perderam.

aleppo
Ruas de Aleppo

Cada vez que ouço ou leio alguma notícia sobre essa estúpida guerra civil, que já dura mais de cinco anos, uma grande tristeza e preocupação me invade. Não, não estou falando isso da boca pra fora. Falo como uma viajante que esteve lá, como alguém que viveu aventuras, que conheceu pessoas interessantes e generosas, e como alguém que descobriu que é possível viver com pouco e foi muito feliz durante duas semanas.

Não quero fazer um post político, mesmo porque essa não é a minha praia. Eu só quero compartilhar com vocês o que conheci e descobri na Síria, com a esperança de que esse conflito termine logo para que muitos possam visitar e se encantar com esse país.

Haya e eu prontos para começar o dia de tour por Aleppo
Haya e eu prontos para começar o dia de tour por Aleppo

Infelizmente, atualmente quase tudo foi destruído pela guerra. Revendo as fotos para escrever este post lembro dos amigos que fiz lá. O Haya, que me hospedou na sua casa humilde em Aleppo, é um deles.

Eu o conheci através do Couchsurfing, uma página onde as pessoas oferecem sua casa e o seu tempo para te receber. Sempre que posso viajo dessa maneira. Não é pelo que eu possa economizar, mas sim pela experiência de poder vivenciar como é o dia a dia de um local e fazer grandes amizades. Pra mim, essas coisas não tem preço.

Voltando ao dia em que conheci o Haya, ele dormiu num colchão no chão para que eu pudesse dormir na sua cama. Também lembro que cheguei na sua casa já tarde da noite e não tinha luz no banheiro. Ele me emprestou uma lanterna para que eu tomasse banho. Chuveiro? Eu fiquei alguns minutos procurando o chuveiro naquela penumbra, até que vi que a água saía de um cano diretamente da parede. Não dei a mínima pra isso. O que eu queria mesmo era me lavar e descansar.

siria
No dia seguinte o Haya me levou para conhecer o centro de Aleppo, a segunda maior cidade do país, e uma das mais destruídas pela guerra. Caminhamos por ruas estreitas até chegar numa portinha que estava cheia de gente. Era domingo e o lugar estava lotado. Meu amigo disse que eu tinha que provar o foul, um prato típico feito com feijão, vários temperos e iogurte.

Lembro do cheiro e do sabor, algo como uma sopa de feijão forte. Quando viajo adoro conhecer os costumes locais e provar comidas típicas.

O foul é o prato do meio
Esse é o prato de foul
Esse é o recipiente onde se cozinha o foul
Esse é o recipiente onde se cozinha o foul

Depois desse café da manhã reforçado, passamos pela mesquita Oamayad e pelo bazar. No Oriente Médio, toda cidade por menor que seja, tem um souq, um mercado de rua. Caminhar por esses corredores é uma alegria para os olhos e um desafio para o nariz; os cheiros fortes te invadem e os olhos se perdem com tanta coisa para admirar e descobrir.

Bazar de Aleppo
Souq de Aleppo

siria aleppo

Depois fomos visitar a citadela e conhecer o anfiteatro a céu aberto. Uma das cenas que lembro até hoje é das crianças pedindo para que os turistas tirassem fotos delas. Uma posou para uma viajante francesa e saiu correndo para ver sua foto na tela. Mas o que ela não esperava é que essa câmera fosse antiga e não tivesse visor. A cara de surpresa dessa criança foi incrível. Arrisco dizer que ela não entendeu a razão pela qual não pôde ver sua imagem na câmera.

Citadela de Aleppo
Citadela de Aleppo

mapa siria Depois de passear durante dois dias em Aleppo, partimos para outra aventura. Junto com outros 15 viajantes que conheci lá mesmo (sírios, libaneses e europeus), alugamos uma mini van e fomos conhecer a praia de Latakia, ao norte do país, perto da fronteira com a Turquia. Foram três dias intensos, de muitas risadas, histórias compartilhadas e amizades que começaram ali.

Durante as noites, um dos meninos da Síria tocava o alaúde, um instrumento comum na região, enquanto outros fumavam narguilé (cachimbo de água), e alguns aprendiam alguns passos de baile. Momentos mágicos, desses que a gente presencia quando sai de casa e sai pra conhecer o mundo.

Arriscando uns passos
Arriscando uns passos

Durante essa viagem, o nosso objetivo, além de passar um dia na praia, era escrever e colocar placas na areia para que as pessoas não deixassem lixo na areia. Fizemos uma caminhada de umas duas horas, descemos uma colina muito íngreme, e a vista ia melhorando a cada passo. Latakia é uma das praias mais lindas que conheci até hoje. siria latakia

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Escrevendo nas placas para que as pessoas não deixassem lixo na praia

Depois da praia, seguimos para a cidade de Hama, outro lugar que hoje está completamente destruído. Passeamos pela cidade, visitamos as rodas d´água, que naquele momento eram o cartão postal da cidade.

Pessoal reunido na frente das rodas d´água em Hama
Pessoal reunido na frente das rodas d´água em Hama

De noite, lembro que compramos vários doces árabes em uma das lojinhas ao redor da praça, sentamos ali e ficamos horas conversando. Eu adoro doces, sou uma formiguinha, mas não consegui comer mais do que três. Quase todos são feitos com muito mel e frutos secos. Deliciosos, mas muuuuito doces.

Doces árabes
Doces árabes

No dia seguinte alguns do grupo voltaram para Aleppo e outros continuamos a explorar o país. Com um garoto do Canadá e outro da Bélgica, fomos conhecer o famoso castelo Crac des Chevaliers. Naquela época esse era um dos castelos medievais mais bem preservados do mundo.

Enquanto escrevia este post, dei uma pesquisada e vi vídeos onde o castelo é bombardeado várias vezes. Ou seja, outro patrimônido destruído pela imbecilidade humana. Depois do castelo nosso próximo destino foi o deserto de Palmira, que está a 200 km ao norte de Damasco. Essa pequena cidade, que significa cidade de palmeiras, é famosa por abrigar um templo romano, construído em 43 A.C. palmira siria Lembro do calor forte do lugar e de percorrer as ruínas que, naquele momento, estavam bem conservadas. Mas acabo de ler que esse lugar, Patrimônio da Humanidade, também foi bombardeado pelas forças do atual presidente Bashar al Assad. Que maravilha, mais um lugar que se foi.

Quando estive na Síria vi fotos do Bashar em todos os lugares
Quando estive na Síria, vi fotos do presidente Bashar em todos os lugares

Dias depois pegamos outro ônibus e chegamos a Damasco, a capital do país. Lá eu fiquei na casa do Haitham, um sírio que me recebeu muito bem e fez questão de me mostrar lugares incríveis. Adorei caminhar por essa cidade grande, admirar a arquitetura das mesquitas, provar pistaches frescos nas esquinas e me perder em cada ruazinha.

Os pistachos frescos são uma delícia
Os pistaches frescos são uma delícia

No gran bazar de Damasco, na Bakdach, experimentei um sorvete típico com frutos secos de cobertura. Nossa! Escrevo estas linhas e sinto o sabor doce do creme e a parte crocante de pistache… e me dá água na boca, literalmente.

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O Haitham me levou para conhecer um parque na parte alta, onde os moradores paravam os carros para admirar a cidade lá de cima e ver o por do sol. Imagino que hoje em dia ninguém se arrisque a subir lá.

Vista de Damasco
Vista de Damasco

Também conheci o Museu Nacional, construído em 1919, que abrigava peças pré-históricas e do período clássico. Não quero nem pensar em como deve estar esse lugar agora. Geralmente, em períodos de guerra, os museus são um dos primeiros lugares a serem saqueados.

No fim da tarde também aproveitei para conhecer a Mesquita Umayad, a maior de Damasco. Tive que cobrir o corpo e os cabelos com uma túnica, como acontece em outras mesquitas do mundo. Gostei de sentar no pátio e observar como os locais se lavavam antes de rezar.

siria mesquita

As lembranças que tenho dessa viagem são muitas e você deve estar se perguntando pra quê estou escrevendo e contando tudo isso se agora é impossível visitar a Síria, né? É que em 2009 eu ainda não tinha o blog, e não quero que essa informação se perca no tempo.

Quero acreditar que essa guerra vai acabar logo, que os refugiados poderão voltar para suas casas, que a situação política vai se estabilizar da melhor forma possível. Sei que muitos dos amigos que conheci nessa viagem foram deixando o país aos poucos. Alguns estão vivendo nos Estados Unidos, Arábia Saudita e outros na Turquia. Seja onde for, torço para que eles e suas famílias estejam bem e protegidos.

Esse é o grupo com quem fui à praia de Latakia
Esse é o grupo com quem fui à praia de Latakia

Espero poder voltar à Síria em breve, e que você também possa ir lá um dia. Tenho certeza que, assim como eu, você também vai se encantar com esse país, com as paisagens e com as pessoas. Como dizem os árabes; Inshallah (tomara)! Lendo sobre a Síria, encontrei esta entrevista feita com o sírio Amer Masarani, que ajuda refugiados a irem para o Brasil. E quem quiser saber mais e ajudar esse grupo, pode acessar este link.

P.S – O governo de Bashar al-Assad, que muitos chamam de ditadura, está no poder há 13 anos. Desde que os conflitos entre simpatizantes do presidente e “rebeldes”, que apenas pediam mais democracia e direitos individuais, começou em março de 2011, mais de 110 mil pessoas perderam a vida, e mais de 2 milhões de sírios viraram refugiados e tiveram que deixar seu país.

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15 Comments

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  1. says: Lucila

    Oi Cassiana, obrigada pelo seu relato. Pois é, triste mesmo. É incrível como essa guerra está durando tanto e ninguém ajude a que termine. Eu tmb espero o mesmo que você. Abraços!!

  2. says: Cassiana

    Lucila, acabei de ler seu post… ele já foi escrito há quase 2 anos, e infelizmente a guerra não acabou.
    Estive na Siria em agosto de 2010, pouco antes de começar a “primavera árabe”, ainda sonho em rever as rodas d´água de Hamma, os templos de Palmyra, aqueles souks maravilhosos, cheios de vendedores insistentes… Esses dias vi umas fotos de como Aleppo está, me deu uma dor no coração, no momento só desejo que as pessoas que eu conheci estejam em algum lugar seguro, e sãs e salvas.

  3. says: Lucila

    É verdade, Nanda. É bem isso. Obrigada pela visita.
    Abraços e boas viagens!!

  4. says: Alvarez

    Lucila
    Excelente matéria !
    Parabéns e Sucesso!
    Alvarez

  5. says: Lucila

    Oi, Natalia
    Obrigada pela visita e pelo seu lindo comentário. Todos estamos torcendo para que essa triste situação se resolva logo e da melhor maneira possível para os sírios, porque eles merecem!! Abraços.

  6. Lucila,
    termino de ler seu relato invadida por um misto de sensações: alegria pelas amizades feitas, agua na boca com os sabores experimentados, dor e tristeza com o absurdo dessa guerra. Obrigada por abrir seu baú de lembranças e compartilhar conosco essa bela viagem, e espero que em breve o país encontre a paz que o mundo merece pra que possamos todos conhecê-lo.

  7. says: Lucila

    Obrigada, Gisele. Vamos marcar um cafezinho dia desses. Besos

  8. says: Lucila

    Oi, Monique
    Exatamente, é bem como você disse. Obrigada pela visita. Abraços!!

  9. Lucila! Achei este relato incrível! É triste ver a situação do país hoje, mas este post nos lembra e mostra que é um país como qualquer outro, com um povo humilde mas disposto a ajudar. Espero que a Síria se recupere em breve e assim possa ser visitada por mais turistas! Abraços!