– Você sabe que na Síria nós também tomamos chimarrão?
– Sim, eu sei. É muito famoso lá. Várias pessoas já me contaram.
Incrível como a mesma coisa em dois países tão diferentes e tão longe um do outro pode juntar pessoas e unir culturas.
O Abdullah está sempre sorrindo. Cada vez que o vejo e cruzamos olhares, ele sorri. Alguém que o observa de longe poderia pensar que esse jovem sírio não tem nenhum problema e é uma pessoa aparentemente feliz.
Ele chegou ao campo de refugiados faz cinco meses e espera pacientemente o seu momento de entrar legalmente em algum país da Europa ou talvez no Canadá. Abdullah tem só 28 anos, mas pelo sol ou por tudo o que já passou na vida, parece ter 30 e poucos anos.
Outro dia o vi sentado olhando o mar. Ele esteve ali mais de duas horas, sem se mexer. Quando se aproximou para buscar o almoço, eu perguntei se ele estava bem.
– Naam (sim), estou bem, mas….
– O que foi?
– Nada, nada. Na verdade é que…
– Me conta, aconteceu alguma coisa com você?
– Você me ve sorrindo sempre. Por fora eu pareço uma pessoa feliz, mas por dentro sou e estou muito triste.
– Hummmm. Por quê? Você quer me contar alguma coisa?
– É que eu vejo vocês voluntários que estão aqui com a melhor energia e boa vontade, sempre alegres e eu não quero estragar o dia de vocês contando as minhas histórias tristes.
– Mas você pode contar comigo para falar, se precisar. É sério. Ana asdikatu! (Eu sou sua amiga).
Mais tarde Abdullah sentou do meu lado, enquanto eu era a responsável por servir água fria para quem precisasse, e me contou que tinha perdido a sua esposa (grávida) na guerra durante um bombardeio em Homms e que ele teve que escapar da cidade com a roupa do corpo, mais nada.
– Eu gosto de falar com vocês voluntários, mas vocês ficam aqui por pouco tempo. Vem e vão embora logo. Eu preciso de alguém com quem falar sobre tudo e que essa pessoa não desapareça um tempo depois.
– Eu te entendo perfeitamente, mas enquanto isso me conta mais de você. Estou aqui para te ouvir.
– Sabia… quando vejo famílias caminhando com seus filhos pela rua sinto muita tristeza. Por que eu não posso ter esposa nem filhos? Eu estou sozinho!!
– Mas olha eu também estou sozinha aqui.
Tento animá-lo como posso, como saem as palavras da minha boca.
– Sim, você veio até aqui sozinha, mas com certeza tem alguém te esperando na sua casa quando voltar ao seu país.
– Olha, Abdullah, você me disse que gostava de chimarrão, né?
– Adoro!! Tomar chimarrão me faz lembrar de bons momentos na Síria.
– Ótimo. Então amanhã vou te dar um presente que tenho.
No dia seguinte, logo cedo tirei a caixinha de mate que tinha trazido de Buenos Aires para dar a uma amiga que mora em Atenas, mas com certeza ela vai entender por que mudei de ideia no meio do caminho. Acho que essa pequena caixinha poderia ajudar um pouquinho a melhorar o ânimo desse jovem sírio. Guardei o mate na mochila e fui para o campo.
– Abdullah, este é o seu presente.
– Ualáaaaa mate!! Mas este é diferente, parece chá.
– Sim é mate cozido, feito com o pó que sobra da erva. Mas acredite que o sabor é bem parecido ao do chimarrão. É só fazer como se fosse um chá.
– Ahhhhh. Tamam (ok). Shukran jazilan (muito obrigado).
– Afoan (de nada). Beba quando quiser.
– É que eu não gosto de tomar mate sozinho. E se a gente sentar ali de frente para o mar mais tarde para tomar e conversar? É que me ensinaram que o chimarrão sempre tem que ser compartilhado com outra pessoa.
Esta história é parte da série #RefugeesWelcome, relatos que escrevi durante o voluntariado que fiz no campo de refugiados de Souda, na ilha de Chios. São vários relatos que você pode acompanhar aqui no blog.
Se quiser ler mais sobre a minha experiência como voluntária no campo de refugiados na Grécia, confira aqui.